Escritos


Carranca de Afrodite

Você diz que sou Carranca de Afrodite
Pois então eu sou poeta de pastiche
Acostumado com o tempo
Descolado e ciumento
Falando em verso pra não ter que dar palpite

Penso para esquecer a vida
Durmo pra pensar melhor ainda
Medito e rezo a fome
Uma conversa me consome
Falo com Deus e Deus não dá sinal de linha

Sou engraxate numa praia
Sou torcida sem partida
Vagabundo com agenda lotada

Eu sou polícia me prendendo em suicídio
Executivo de batina num comício
Apito o jogo e chuto a bola
Um aguardente me conforma
Sou sanguessuga do meu próprio sacrifício

Você diz que sou Carranca de Afrodite
Pois então eu sou poeta de pastiche
Acostumado com o tempo
Descolado e ciumento
Falando em verso pra não ter que dar palpite

Carranca de Afrodite


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Vaticínio

Sei que a poeira não baixou e pode não baixar
Mas é uma forma do vento não parar

Sei que o encanto que ficou pode não ficar

Mas é uma forma do tempo se explicar

Que o amor tem sua vacina
Que a saudade vaticina
O que a ternura ignorar


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Maria na Janela

Maria me deixou na janela...
E na espera meu olho ardia
Em pleno banho-maria


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Curugu Curou

Curugu pulsou no céu
Retumbante som, umbral
por que foste a cura do meu mal
curugu curou, curugu curou

Curugu arcanjo ao léu
Panacéia original
Curanchim de um ser celestial
Curugu curou, curugu curou

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Orizófago

Afago de almoço
No bucho de um moço

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Forte aliança
O uivo do umbigo
Anunciando a pança

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A quem se achar

Um beijo doce e casual virou instinto, aflito...
E um cheiro calmo e singular
Trouxe um suspiro, inspiro...
No vício de provar e 
a cada gesto a te abraçar
Numa simples tal canção sem ar...

Nossa sombra plena ao demonstrar 
Poses ingênuas, meigas...  
E a manhã cinza ao acordar 
dois pensamentos, lentos...

E em nosso silêncio 
Um curto riso confortou
E uma lágrima caiu sem choro...

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Achada

Mulher ideal, mulher de convívio
 noturno e matinal, mulher moça da tarde
 que neste dia faz arte na minha história sentimental.



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Taquicardia
Atraso acelerado
Da morte que tardia



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Galanteio

Rubra tez em pavio
Recende esperança
No susto do elogio

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Recorrência


Nascemos um pro outro
Até virarmos o outro
de outro alguém


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Quisesse


Meu duvidar é de coisas de agora
É o que a memória... esconde
Confundindo o meu silenciar

E vai...
E vai!

Sem querer mais
Esta vida me acorda
E a notícia consola
Conta construindo a minha prece

Que cesse...
Que cesse!



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Sublimação


Eu faria qualquer criação
Virar obra de arte, se seus olhos
Antecedessem a inspiração.


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Quarto da avó


Imaginei que estava só
Entrei no quarto da minha vó
Na penteadeira retratos vagos
Cercam silêncio
Anel vazio aponta o tempo
quadro ausente pintado a pó

Imaginei que estava só
Entrei no quarto da minha vó
Olhei distante um velho espelho
Sobre a estante
Que alcancei num vôo rasante
curioso curió

Tremi, fechando a porta
A idade no azar dobrou
Bom neto a casa entorta
Sou a cria de quem criou


Corri beirando a cama
No lençol me fiz sumir
A velha de pijama
Fez arrá qdo eu hihi


Imaginei que estava só
Entrei no quarto da minha vó
Entre o belisco e a ternura
Da dor que apura
voou chinelo no meu fiofó
Saí do quarto da minha vó...





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            Sursum Corda




            Corações ao alto

 O céu por um fio e eu numa cansada e finita existência.
 Sou a visão de um cego lendo a corda da viola, sou um palhaço na corda
 bamba da imprudência.

            Corações ao alto

 Imagens esquecidas, costuradas e cerzidas por arames farpados.
 Minha consciência secando estendida no varal de algum sobrado.
 Não repito o passado, nem bebo virtudes na auréola de um santo.
 Sou pecado de Carpintaria,
 Arco-íris em preto e branco.

             Corações ao alto

 Chorei por vidas permanecidas como um barco ancorado.
 Minha dor é lágrima antiga na corda suspensa no erro da trapezista.
 Sou arlequim desempregado, sou pirata num trampolim;
 Tenho fios tensos queimando em mim.

             Corações ao alto

 A vida sustentada por desejo animal,
 A fé emancipada serpentina carnaval;
 Carinho permanência do cordão umbilical.